Um raide explosivo contra a proposta de Orçamento do Estado do Governo, posicionando o PS na oposição ao Executivo, e fazendo críticas ásperas aos militantes do PS que, em seus espaços de comentário ou em entrevistas, têm defendido a viabilização. Foi com essas três linhas de argumentação que o secretário-geral do PS passou o fim de semana, discursando nos congressos federativos de Braga e Coimbra (sábado) e em Lisboa neste domingo.
As críticas ferozes ao Orçamento “que nunca será do PS” não implicam que qualquer decisão sobre a viabilização das contas do Estado já tenha sido tomada. O suspense em torno de qual virá a ser a decisão final do PS continuará.
Com o partido dividido entre o voto contrário e a abstenção (divisão que o secretário-geral assumiu em entrevista ao DN/TSF), o secretário-geral pretende jogar uma decisão só para o fim do mês. Pelo caminho, Pedro Nuno Santos escapa de uma chuva de críticas que certamente aconteceriam no Congresso do PSD, marcado para o próximo fim de semana em Braga, se a decisão fosse a do voto contra.
No congresso federativo de Coimbra, Pedro Nuno assumiu que o “processo orçamentário é complexo” e pediu, como já havia feito na véspera, um PS a “uma só voz”.
“Não são comentadores como os outros”
O secretário-geral do PS afirmou que o atual processo orçamentário que o país vive “é um processo complexo para o PS”, defendeu seu direito de “dizer o que entende” assim como todos os militantes e instou os socialistas a se apresentarem “unidos publicamente”. Ressaltou que os militantes do PS “não são comentaristas como os outros” e aludiu à “responsabilidade dos que têm acesso ao espaço midiático” – “que vocês não têm”disse, apontado para a plateia. No sábado, ele havia convidado os comentaristas “a descer do pedestal”.
À tarde, diante dos militantes da federação urbana de Lisboa, como que procurou justificar o tipo de discurso que tem feito para dentro do partido, ressaltando que, apesar de acompanhadas pelas televisões, essas são “reuniões partidárias”. Ele lembrou que o partido tem “grande intervenção pública” e “dirigentes com grande capacidade e espaço de intervenção pública”, mas até parece haver quem se esqueça que o PS é feito de militantes muito diversos, que todos “trabalham para defender o partido, os seus princípios e valores”.
“É importante que saibamos ouvir os militantes e respeitá-los”, afirmou, recusando que alguma vez tenha estado em causa a “liberdade interna de cada um”. “O PS é um partido que conquista a liberdade lá fora e a garante aqui dentro.” Por isso, todos podem dizer o que pensam, “inclusive o secretário-geral”, disse, repetindo uma espécie de advertência que fizera nos discursos anteriores.
Sobre si, disse também ter a “obrigação de liderar um combate externo e de liderar também, internamente, o PS”, defendeu que os socialistas têm que “atuar e intervir na unidade, sempre”, porque todos “são necessários” – unidade pela qual “pugnará”, prometeu assim como pelo “direito de cada um dizer o que pensa” e a poder, depois ser contradito a seguir. E elogiou a “capacidade de lutar e o orgulho” dos membros do partido de serem “socialistas sempre – durante o governo e durante a oposição”.
Mais do que as entrevistas e comentários de Sérgio Sousa Pinto ou Francisco Assis na sexta-feira – favoráveis à viabilização do Orçamento – a mais dura intervenção contra o secretário-geral foi feita na RTP pelo ex-ministro José António Vieira da Silva, que nas diretas apoiou José Luís Carneiro.
Vieira da Silva afirmou que “depois de tudo o que aconteceu não é esperado nada diferente do que a aprovação do Orçamento”, que “não seria compreensível para ninguém que houvesse um bloqueio”. Mas, numa alusão à relação do secretário-geral com os partidos à sua esquerda, foi além e deu a entender que o Orçamento do Governo PSD/CDS é melhor do que seria um de Pedro Nuno Santos aliado ao Bloco, ao PCP e ao Livre: “Não estou de acordo que um frentismo de esquerda qualquer apresentaria melhor orçamento do que este.”
E Vieira da Silva foi o único socialista comentarista que veio neste domingo criticar as palavras de Pedro Nuno Santos, afirmando-se “estupefato”. Em declarações à Rádio Observador, ele afirmou que “as pessoas que falam não falam em nome do partido. Agora, os militantes do Partido Socialista não estão impedidos. Não pende sobre eles nenhuma espécie de norma de silêncio. Isso não é próprio de uma democracia.”
Nos discursos de Pedro Nuno neste domingo também houve lugar para a polêmica das reuniões entre Luís Montenegro e os partidos à direita que tem sido alimentada pelo líder do Chega nos últimos dias. “A direita portuguesa é uma confusão e não é confiável como temos dito desde a campanha. Não tem capacidade de se entender, não tem capacidade de formar maiorias”, apontou o secretário-geral do PS. “A troca de flâmulas de acusações de mentir entre dois líderes partidários é uma vergonha para a política nacional, para todos nós.”
Desafio Montenegro para explicar reuniões
Sem querer entrar pelo caminho de quem tem ou não razão nessa contenda, Pedro Nuno tem insistido em um ponto: “Temos um primeiro-ministro que grita a todos os ventos ‘não é não’ quando bastava uma reunião para dizer: ‘André, não é não, nós não vamos negociar contigo.'” Por isso, o líder socialista deixa uma crítica a que se tenham feito “várias reuniões durante o processo de negociação orçamental”, aproveitando para lamentar que se façam exigências ao PS e “se esmiúcem os comentários do secretário-geral do PS” ao mesmo tempo em que é “incompreensível que não se exija o mesmo do primeiro-ministro”.
Deixou, assim, uma espécie de desafio a Montenegro para que venha a público explicar-se, já que “até agora não disse muito sobre o tema” além de uma publicação imediata numa rede social dizendo ser “mentira” que tenha proposto ao Chega um acordo para integrar o Governo. Quem entrou igualmente no assunto entretanto foi Rui Rocha: o líder da Iniciativa Liberal confirmou que também se reuniu com o primeiro-ministro em 15 de julho (a data indicada por André Ventura), mas sem ter havido qualquer referência a acordos para o orçamento ou de governança.
Pedro Nuno aproveitou para uma alfinetada nos liberais: “Ao dia de hoje, tenho dificuldade em perceber qual é o papel da Iniciativa Liberal na vida política portuguesa. O que se tem revelado é um partido sem autonomia face ao PSD, sem uma alternativa, transformados numa guarda pretoriana do primeiro-ministro e do Governo.”
Ganhar Braga, Porto e Coimbra. E Lisboa?
O circuito pelas estruturas federativas deste fim de semana chegou ao fim e, depois de colocar como objetivos diretos ganhar as câmaras de Braga, Penafiel, Porto (que classificou como a cidade mais importante do país) e Coimbra, Pedro Nuno Santos não foi, afinal, tão assertivo sobre Lisboa. Chegando ao congresso da federação da área urbana de Lisboa, no domingo ao fim da tarde, sobraram as críticas ao atual presidente da autarquia, o social-democrata Carlos Moedas, mas faltou o foco entusiasmado na vitória no município da capital, trocado pelo objetivo maior de, “daqui a um ano, continuar sendo a primeira força política municipal do país”.
Depois de uma derrota nas legislativas e uma vitória nas europeias (além de duas derrotas nas regionais da Madeira e dos Açores), as eleições autárquicas são uma espécie de tira-teima para a liderança de Pedro Nuno Santos. A renovação das federações é um dos passos nesse caminho para o “momento alto da democracia local” das eleições municipais. Sobre Lisboa, criticou Carlos Moedas por se preocupar apenas com a comunicação, pelo “autoconvencimento” do prefeito, e também pela falta de higiene e dificuldades de mobilidade na cidade.
O que você tem Moedas para apresentar, então? “Algumas casas não foram foi lançadas por ele”, sinaliza Pedro Nuno, entrando no seu próprio “quintal”, mas conseguindo escapar a nomear-se. “De todas as casas que foram entregues na cidade de Lisboa, nenhuma é de sua responsabilidade. É do Partido Socialista, é de António Costa, é de Fernando Medina.”